Cantor e compositor defensor do primado da angolanidade artística, Kipuka atravessou o romantismo do período acústico da Música Popular Angolana, nos anos 1950, integrado nos Kimbandas do Ritmo, formação paradigmática que ficou na história pela valorização do cancioneiro e dos instrumentos tradicionais, sobretudo da região de Luanda.
Estofador de profissão, Kipuka conheceu importantes figuras da história da música popular e recorda, com notável propriedade e brilhante memória, o processo de formação dos principais grupos musicais da sua época, invertendo o natural esquecimento da história cultural desta arte.
Kipuka sempre cantou em kimbundo, sua língua de eleição, actualizando, pela preservação, importantes peças musicais do cancioneiro popular.
Filho de Francisco Manuel Piedade e de Lucrécia Braz dos Santos Pimentel (Mamã Luluia), Xavier Jorge Rangel da Piedade (Kipuka), nasceu na Funda, província do Bengo, no dia 6 de Abril de 1944, e conheceu, aos 8 anos, os irmãos Elias e Catarino Bárber, dos Kimbandas do Ritmo.
Foi nesse período que começou a sua paixão pela música, construindo uma personalidade cultural identitária, atitude que contrariava, pela afirmação musical, os preceitos da assimilação dos valores da cultura portuguesa.
Kipuka na tradição cultural
Kipuka absorveu, desde cedo, a tradição cultural da região do Bengo, observando as danças e práticas rituais, ao som da “jimba”, “mabalakata”, “kilapanga”, géneros musicais tradicionais que eram acompanhados pelos instrumentos “kambolombo”, “kampanza”, “hungu” e “puita”.
O kimbundu, língua da escrita e com a qual interpreta, com notável fluência, as suas canções, aprendeu com o catequista António Sátiro da Costa, através da leitura de textos dos cânticos religiosos. A filosofia e os costumes das populações do Bengo, entre outros ensinamentos, recebeu do mais velho Kadiaúla, ou Papá Kusanda, como também era conhecido, exímio executante de uma variedade de batuques daquela região. Chegado a Luanda, definitivamente, em 1951, Kipuka fez parte dos Rouxinóis da Cidade Alta, grupo coral da Igreja da Conceição, dirigido pelo professor Joaquim Freitas Coelho, um homem ilustre e detentor de uma sólida formação religiosa de linhagem Católica.
Os primeiros ensaios
A residência do mais velho Abreu, em 1956, no bairro Rangel, e depois a da Tia Mimi, no bairro Marçal, passaram a ser os principais locais de ensaio e das tertúlias dos Kimbandas do Ritmo, grupo que aparece, pela primeira vez, em público, em 1957, na Igreja de São Paulo, apoiados pelos padres Capuchinhos.
Com a morte de Elias Bárber, Kipuka compõe uma canção em sua homenagem, revelando o respeito e admiração por uma das figuras que o impulsionou para a música, constituindo a oportunidade para cantar, na Liga Nacional Africana, em 1957, integrado nos Kimbandas do Ritmo, convidado pelo cantor e compositor, Catarino Bárber.
“Kimbandas do Ritmo”
A consolidação da Música Popular Angolana ficou marcada pelo surgimento, nos anos 1950, de formações musicais, herdeiras das turmas, pequenas formações ligadas ao Carnaval. Grupos musicais e agremiações culturais, muitas das quais ligadas à dança e ao teatro, como Ngola Ritmos, Ilundo, Kissange, Bota Fogo, Fogo Negro, de José Oliveira de Fontes Pereira, Henda ya Xala, Grupo Teatral Ngongo e Kimbandas do Ritmo, estilizavam canções do cancioneiro tradicional, numa clara perspectiva de afirmação identitária.
Os Kimbanda do Ritmo, constituído por jovens, muitos dos quais com alguma formação intelectual, foi um grupo notável formado por Elias Bárber (viola, dikanza e compositor), Catarino Bárber (voz, composição e guitarra) Joaquim Santana (teclas), Mervil Bárber (ngoma), Manuel Faria (viola, composição e ngoma), Manuel Felizardo (Manuelito, viola). Passaram ainda pelos “Kimbandas”: Manuel Kadete (Zito) e António Pascoal Fortunato (Tonito).
Kipuka nos “Malambas”
Em 1963, Kipuka junta-se aos “Malambas”, grupo em que passou a ser a voz principal, daí a designação de “Kipuka e seus Malambas”.
O conjunto era formado por Adriano de Almeida (Dadinho, viola solo), António Gonçalves (Massangano, viola ritmo), Pedro Silva (Santana, dikanza), e José Massano Júnior (Ngoma), jovens dos 15 aos 18 anos.
O grupo “Kipuka e seus Malambas” passou por vários palcos da cidade de Luanda, com destaque para o Ngola Cine e Nuno Álvares, tendo conquistado o 3º lugar, em 1965, num concurso realizado no Cinema Tropical, concorrendo com os “Jovens”, de Mário Catela, um conjunto de música moderna, e com os Negoleiros do Ritmo, do Dionísio Rocha.
Em 1991, a ENDIPU, uma Direcção do Ministério da Cultura, reuniu e editou, em CD, os principais êxitos do conjunto “Kipuka e seus Malambas”.
Fonte:angolabelazebelo.com